Marcas do tempo
Debruçada na janela, observo o mundo que, há tempos, se constitui no cotidiano de uma rua de periferia. O cansaço chegou, somado a dificuldades no caminhar, e a visão, turva, me mostra apenas uma sucessão de dias monótonos, vazios. Muitas vezes, me pergunto se vale a pena viver sem motivações, alegrias, esperanças. Nada existe que me prenda a esse mundo. Olho os novelos de lã, que sempre foram fontes de alegria e prazer, e me lembro das colchas, coletes, vestidos e blusas que, carinhosamente, tricotava para minha família. Era meu passatempo preferido, mas agora, com essa insensibilidade nas pontas dos dedos... tento, mas em vão. As agulhas caem, as linhas se embaraçam. Desisti, também, das revistas, pois meus olhos vêem nelas apenas borrões. Que doença danada! Foi minando meu corpo e, agora, já não tenho sequer como andar, e rastejo. De tão calada que passo meus dias, sequer consegui, na visita médica mensal, explicar o que sinto de esquisito. As palavras ficaram travadas e o máximo que consegui emitir pareceu um grunhido. Foi quando me dei conta de que já estava excluída da vida. Lembrei, sorrindo, de uma matéria de revista, que falava sobre certas culturas; países onde as pessoas se preparavam para a morte, se deitando, ou sentando, até que Ela chegasse. Eu me sento todos os dias, horas a fio, esperando-a, e Ela não vem. As forças se extinguem. Sei que a solidão é algo de que não se corre, principalmente quando as pernas já não servem para nada, e a cabeça sempre se esquece de raciocinar. Vario demais. Chego a ver nos outros o rosto do meu pai, da minha mãe...
Não gosto de contar sobre a dor que marcou minha vida. Foi por conta da minha única filha que, duas semanas após meu aniversário de oitenta anos, disse que não podia mais ficar comigo e me trouxe para esse asilo. Não pensei que fosse um adeus, até que os anos passaram. E assim, fiquei só.
Daquele dia em diante, nunca mais senti dor. Dormências, sim. Esquecimentos...
Por anos a fio, vivi entre novelos de lã, tricotando, lendo revistas e vendo a vida passar através da janela.
Agora, cansada, todos os dias me sento, à espera de quem, decerto, não me faltará, e virá, algum dia.
Belvedere Bruno
Debruçada na janela, observo o mundo que, há tempos, se constitui no cotidiano de uma rua de periferia. O cansaço chegou, somado a dificuldades no caminhar, e a visão, turva, me mostra apenas uma sucessão de dias monótonos, vazios. Muitas vezes, me pergunto se vale a pena viver sem motivações, alegrias, esperanças. Nada existe que me prenda a esse mundo. Olho os novelos de lã, que sempre foram fontes de alegria e prazer, e me lembro das colchas, coletes, vestidos e blusas que, carinhosamente, tricotava para minha família. Era meu passatempo preferido, mas agora, com essa insensibilidade nas pontas dos dedos... tento, mas em vão. As agulhas caem, as linhas se embaraçam. Desisti, também, das revistas, pois meus olhos vêem nelas apenas borrões. Que doença danada! Foi minando meu corpo e, agora, já não tenho sequer como andar, e rastejo. De tão calada que passo meus dias, sequer consegui, na visita médica mensal, explicar o que sinto de esquisito. As palavras ficaram travadas e o máximo que consegui emitir pareceu um grunhido. Foi quando me dei conta de que já estava excluída da vida. Lembrei, sorrindo, de uma matéria de revista, que falava sobre certas culturas; países onde as pessoas se preparavam para a morte, se deitando, ou sentando, até que Ela chegasse. Eu me sento todos os dias, horas a fio, esperando-a, e Ela não vem. As forças se extinguem. Sei que a solidão é algo de que não se corre, principalmente quando as pernas já não servem para nada, e a cabeça sempre se esquece de raciocinar. Vario demais. Chego a ver nos outros o rosto do meu pai, da minha mãe...
Não gosto de contar sobre a dor que marcou minha vida. Foi por conta da minha única filha que, duas semanas após meu aniversário de oitenta anos, disse que não podia mais ficar comigo e me trouxe para esse asilo. Não pensei que fosse um adeus, até que os anos passaram. E assim, fiquei só.
Daquele dia em diante, nunca mais senti dor. Dormências, sim. Esquecimentos...
Por anos a fio, vivi entre novelos de lã, tricotando, lendo revistas e vendo a vida passar através da janela.
Agora, cansada, todos os dias me sento, à espera de quem, decerto, não me faltará, e virá, algum dia.
Belvedere Bruno
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